04 maio 2006

HEM

As minhas idas ao Hospital Egas Moniz têm alternado entre proveito próprio e do meu progenitor que anda às voltas com uma glândula do aparelho reprodutor masculino, localizada abaixo da bexiga e que envolve a uretra na sua parte inicial, mais vulgarmente chamada de próstata.
Hoje fizemos uma visita à UCA. Para quem não sabe a uca é a Unidade de Cirúrgia Ambulatório.
Foi para lá que nos dirigimos à hora marcada, 14h. para fazer uma consulta de anestesia. Estavam 5 pessoas para o mesmo fim. O meu pai deveria ter sido o segundo a ser atendido não fosse ter aparecido uma senhora quase a "entrar nos 40", deficiente, acompanhada pela avó duas irmãs e uma sobrinha, com uma tigela forrada por plástico colável estampado cheia de farelo o qual remexia sem parar. O parentesco das irmãs foi tirado pelas parecenças fisionómicas. Para melhor.
A sala de espera, pequena, obrigava qualquer utente a ouvir a história da vida da deficiente que o é, por ter o “…cérebro mirrado”. A avó, vestida de preto provavelmente a denunciar uma viuvez, não pesava mais de 40 kg. Dizia uma das filhas acerca das dificuldades da vida, que a mãe tinha tido 11 filhos, mas que “…felizmente agora só eram 9”. E eu, ali, sem poder partilhar a minha curiosidade sobre o afortunado destino da maternidade da senhora, tive de continuar a tomar atenção à história da vida daquele clã.
A minha visão periférica que por deformação profissional está bem treinada, permitia-me saber que o senhor robusto de canadianas (não era o Pitta) sentado do meu lado direito, de vez em quando me dirigia o olhar. Se os olhares se tivessem cruzado seria provavelmente só para ele levantar os ombros e as sobrancelhas em simultâneo, gesto tão comum quando queremos dizer “…o que é que a gente há-de fazer”, mas não podemos falar. Mas nem toda a gente é como eu, que ouço, caladinha (tenho dias).
Outra utente, que esperava que o filho “…saísse da anestesia” puxou pela língua das familiares, que agora só eram três na sala. Claro que não foi difícil pô-las a falar da desgraçada da rapariga. Azar o meu.
Fiquei a saber, sem necessidade nenhuma que ela “…caga-se e mija-se toda” que tem umas “…maminhas muito bem feitinhas” e que “…é muito inteligente porque quando alguém manda um objecto para o telhado da casa, que é baixinho, ela vai logo buscar uma vassoura para o tirar”.
Não sei se o meu pai estava distraído ou não, mas não arrisquei olhar para ele. Claro que quem está quase duas horas e meia à espera, sujeita-se a ouvir o que quer e o que não quer, sem possibilidade de mudar de canal.
No outro dia tive mais sorte à porta do serviço de radiologia. O senhor que se encontrava sentado do meu lado direito (outra vez) quando ouviu chamarem a Sra. Maria da Graça Arroz para a sala 2 de Radiologia, comentou para a mulher: “…olha esta entra arroz mas vai sair de lá feita em massa”. A própria ao passar, olhou para trás e sorriu.
Estou curiosa por saber o que me vai acontecer na sala de espera da UCA no próximo dia 10.
Com ouvidos de tísica...
Imagem: reprodução de acrílico de Frida Khalo "gente na sala de espera"

2 comentários:

Marinho disse...

Mas que belo Post Caninas! E foi muito bem pensado teres colocado uma ilustração de uma pintora cujo nome é alusivo ao assunto retratado no texto.

Paula disse...

Quando fizer uma visitinha ao HEM, porque também sou cliente, conto-te mais novidades, se houverem.