Mário Viegas " As minhas relações com a televisão"

50 anos de RTP. Vi ainda agora, na RTP 1 esta imagem do saudoso Mário

RTP - 1978

recital de poesia

já no tempo em que havia os 4 canais de TV, em resposta à pergunta de um entrevistador : "Como vão as suas relações com a televisão?"

Mário Viegas respondeu:

"Não vão.

Não tive, nos últimos tempos, o mais pequeno convite para nada, apesar de agora haver quatro canais. Para nada,nada,nada, nem para dizer uma quadrinha do António Aleixo! Ah, telefonaram-me para um papel na D. Branca, mas não quero fazer coisas dessas, não estou interessado, não me apetece,não me vou abandalhar... Não sou um actor caro mas não me deixo aldrabar. As peças na televisão são repetidas na TV Internacional,etc., e ninguém paga nada por isso... As " Palavras Ditas" passaram nos Açores e ninguém me disse nada. Mas já me disseram que não podiam passar na Madeira porque o João Alberto Jardim não deixa... Há anos estava no Funchal a fazer Beckett, no Teatro Baltazar Dias, que é uma casa lindíssima, quando vi na avenida muitos carros pretosa parar. De um deles saiu o Pik Botha, o Presidente da África do Sul, que visitava a Madeira. Não me contive e comecei a gritar, de punho direito erguido, " ANC,Mandela", "You are a racist" - uma vergonha reconheço. O Botha foi, no entanto impecável, virou-se para mim e disse: "OK, it's your opinion" O Alberto João estava estarrecido...Um jornal depois chama-me esbugalhado, esquerdista, otelista e convidava-mea sair da ilha. Fiquei um bocadinho mal visto na região, fiquei. Mas voltei. Fui mais tarde fazer o espectáculo "Gin Tónico", a convite do Sindicato dos Professores, e com muito êxito.

O Alberto João nunca disse nada, nadinha, nem uma palavra. Os meus programas é que nunca mais passaram na televisão de lá. Nem nos Açores.

... sucedeu que nos Açores eu disse, uma vez, o poema do Jorge de Sena "O País dos Sacanas", sem saber que lá a palavra tinha um significado diferente. É de natureza sexual, referente à masturbação... Foi um escândalo dos diabos!... Por exemplo, recusei ganhar muito, muito dinheiro. É o preço da coerência."